quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Crônica em saudação à morte


“Nada é certo, exceto morrer depois de ter nascido e a impossibilidade de, enquanto se vive, escapar do destino” disse o jovem Crítias a seu amigo Sócrates. Podia Crítias perceber que o intervalo entre nascer e morrer é consequência direta da evolução? Não seria possível morrer no tempo da infinita divisão unicelular, naquele tempo egoísta nós auto-duplicávamos. Poucos bilhões de anos se passaram, e hoje comutamos para geração de únicos seres altamente adaptáveis. Deus, aquele humanóide vingativo do velho testamento não nos daria a adaptação comutativa sem nos retirar a vida eterna bacteriana. A complexidade celular deu origem ao programa de morte, fardo irrenunciável de cada ser vivo que aqui habita.

A morte, é o ultimo lançamento de Deus para o planeta terra que não caiu em obsolescência perceptiva ou tecnológica. Deus pode ter entristecido a muitos com sua nova invenção, a mim não. Imaginemos existir eternamente nesse arcabouço de atribuições todas criadas para vencer o tédio? A vida é um tédio.. O que nos a torna suportável, ou não, são as coisas que criamos para ludibriar a realidade tediante da existência. O amor, a guerra, o medo, as instituições, as filosofias, e tudo o que nos mantém ocupados são criações dos parceiros de Deus, os homens.

Parceiros irrenunciáveis de Deus, os homens resolveram legitimar essa criação de Deus. Criaram as religiões, intimamente ligadas a morte. Todas elas sustentam esse novo produto de Deus. Elas acompanham um manual de instrução de uso e manutenção, tipo palavras cruzadas, nada fácil. A linguagem é metafórica, que é pra dar emoção ás descobertas e os idosos ocuparem seu tempo. Ao final da leitura do Manual, todos sabem como ocuparem suas vidas e torna-las menos tediantes, no entanto em letras minúsculas no rodapé do canto esquerdo ao final do Manual, consta que a garantia de vida após a morte é restritiva, tudo depende do uso correto das instruções.

Entretanto, a arma indiscutivelmente mais eficiente criada pelos homens para dar significação a existência nesse intervalo finito, é o amor. Tão eficiente que ao homem não lhe é dado o direito de querer ou não. É espontâneo e pode causar danos irreparáveis na finitude do intervalo entre nascer e morrer. Um avanço sobre a religião. Nada submerso em amor é sacrifício. Seu poder alimenta as capacidades criativas do homem, ou pode destruí-la completamente. Tão forte, que alguns interrompem seu intervalo, adiantando o encontro com a nova tecnologia de Deus. Astutos homens, criam sobre suas próprias criações, inventam símbolos para o amor, imagens, cheiros, sons, letras... Sábio é que ultimamente essa invenção humana está a se tornar obsoleta.

Sábio Deus, quem é aquele sem seus correligionários? Quem é aquele se não querido em algum lugar qualquer que seja? Homem fiel a Deus, continuem criando, nos dê sempre o sabor da ocupação, do não ser em vão. Que a morte como produto manufaturado por Deus sirva aos homens, e sua pulsão de morte continue trazendo criatividade aos homens, para que fiquemos ocupados, o tempo todo.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Desabafo de um jovem aos 20 anos.





Estou a me cansar de bombardeios matinais de esperança de vida fortuita. De sangrentos helicópteros procurando vitmas fatais ás sete horas da manhã na cidade de São Paulo. De programas religiosos que dizem que prosperidade econômica é mais importante que o amor, o afeto, a solidariedade. Estou a me cansar de um mundo que vê os outros como meros meios de conquista de objetivos que nem sequer são seus.

Estou sentado, tomando meu suco de maracujá azedo, que é pra doer o canto da boca, lendo notícias de uma guerra próxima. Uma guerra tribal, entre pessoas que não conheço, que estão a se degladiar numa conquista infame, mais que milenar. Que lutam por uma terra que não tem mais rios, que seus animais estão extintos e que seus desertos são maiores que suas florestas. Estou no meio, o meio opinativo de ignorancia,  sendo bombardeado dia a dia por informações distorcidas em que desconheço como verídicas, no meio de uma intenpérie de infância civilizatória.

O mundo que se cerca secularmente dos farpados da ignorância humana meu amigo. O mundo daqueles que se consideram donos de tudo e de todos. Um mundo de história escolar distorcida. Estão a me usar como força física e vívida em seus anseios mais obscuros.

Sou jovem, discuto os prazeres cotidianos massificados, rebanhados, simplificados, estereotipados.. Estou a alimentar esses mesmos prazeres naqueles que nascem ou  ainda estão pra nascer. E observe.. sequer cobro por força e reforço de trabalho ideológico na cabecinha desses pequenos seres. Sou exército de anseios e segredos que desconheço, de protocolos ostensivos que não tenho tempo de refletir, sou uma força de trabalho para pessoas que estão a se promover por cima de mim.

Sou aquele que faz o que os outros mandam, que diz o que os outros pensam, que faz em suas identidades mais midiáticas, trejeitos de uma nação criada. Sou a alma, a identidade, a cultura de um povo que não se aceita.  Sou um mestiço de jetinhos que não gosto, de um furar fila que abomino, de um patrimonialismo que escarro. Sou a morte do índio escravizado, coitado... nada mais é do que um estudo de Stauss, que não se aceita na realidade do cotidiano monótona do mato, que vende seu peixe por um gargalo de pinga aos burgueses pescadores.

A guerra que me reforça a preocupar, é uma guerra entre pensamentos doentios, de ideologias paradoxais, pois não existe hamonia entre Liberdade, Fraternidade e Igualdade. A natureza que por si só seleciona seus ancestrais, divide responsabilidade entre seus seres, coloca os consumidores como usufuidores dos produtores, tende sempre á uma relação de inequidade mesmo que no infinito. Uma sociedade não pode se libertar sem a prisão da segurança que assegura a liberdade. Uma igualdade sem  o conflito que lhe estabelece o medo, não pode gerar a tão gloriosa fraternidade. A Fraternidade na pós-modernidade é insegura, liquida como os centros urbanos, superficiais como os programas dominicais, materiais como a sede de salário. Uma fraternidade em que os anseios de superioridade econômica se estabelecem como ápices da existência, torres inquebráveis dos valores humanos, a vida não pode ser nem igualitária, nem libertária, nem fraternária.

Como jovem, desconheço a escolha do meu currículo escolar, desconheço sua veracidade, não sei  a razão do instigar competitivo entre meus próprios colegas de classe. E vejam, quanto mais avançamos, mais somos cobrados a competir, o que no dicionário é quase o contrário de se solidarizar. Não sei o porque de decorar fórmulas sem saber sua razão de existência. De uma coisa eu sei, alguém pensou em como isso ia me fazer seguir determinado comportamento de competição desleal.

Pergunto sempre aos meus gurus do mercado de trabalho o porque do juros da poupança ser três vezes menor que os juros que os bancos utilizam pra emprestar esse mesmo dinheiro a outra pessoa.. Dinheiro este que é meu! Os bancos emprestam esse dinheiro que é meu para outra pessoa financiar sua casa própria, a juros quase cinco vezes maiores do que aqueles que eu recebo do banco como "aluguel e administração" do dinheiro. Alguns inundados de ciência perversa vão dizer que é o risco embutido que é colocado no valor do empréstimo. Blasfêmia. Nossos bancos judaicos lucram mais que toda nossa produção de alimentos.

Estou ainda a tomar meu suco de maracujá azedo, aquele mesmo que dói o canto da boca. E o azedo que dói, é o mesmo da sustentabilidade atrás de uma cortina de fumaça. Um azedo que me faz ranger os dentes ao ver uma atendente de supermercado colocando sacolas diferentes para um pão e uma manteiga. Um azedo doído que divide negros de brancos e cria uma racialização classista do povo brasileiro nas Universidades.

Eu acredito no sonho impossível que me é vendido diariamente. Os manequíns escolhidos vivem bem. Eles têm barcos, mulheres, peitos plastificados, bundas descomunais, corpos esculturais. O que eu compro diariamente? Esperança, medo e ansiedade. Esperança de ser o escolhido e ter todas essas coisas, medo de não ser aquilo que eles querem que eu seja, ansiedade por ainda não te-los conquistado e estar num estado de desconforto pessoal de incapacidade inajustável. O Estômago de todo jovem pós-moderno sofre.

Ainda no meu sofá, oval no âmbito cervical, tomando meu suco de maracujá azedo, vejo valores impregnados em telenovelas que decepam nossa capacidade de compreênsão do outro. Simplificando personalidades, ridicularizando formas e grupos, e diminuindo a níveis atômicos nossa capacidade de relação com o outro sem o viés esteriotipal. Vejo filmes que tendem a perpetuar um povo, que detêm quase um terço da riqueza mundial e que está agora a expulsar africanos de seus territórios. Quanta irnonia do destino.  De coitados hitletianos a opressores perversos.

Vou continuar no meu sofá, de pano surrado, oval na cervical, tomando meu suco azedo. Irei rir de toda certeza baforada por um adulto, como aquele que ri do outro quando sabe a indubitável verdade. Irei dar gargalhadas quando nos enfiarem a fome e ficarmos falando mal do presidente e suas políticas altamente subversivas, comprados quase sempre como gentios pedintes. Irei fazer aquele sorriso de lado irônico quando tentarem me convencer que o mundo está na força interior e nos livros de auto ajuda. Mas irei me reter e ficar sério a contemplar, quando um jovem de vinte anos me disser que tomou a vacina do filtro civilizatório, com um olhar terno dizendo "essa guerra não nos pertence, esse medo não é nosso, essa mídia não representa aquilo que nós somos.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

A Fragmentação da Religião e sua nova versão adaptada à realidade de mercado.


Hei de confessar que em poucos momentos da minha vida eu parei para pensar sobre a razão sociológica da existência da religião. Nos momentos em que pensei ou era de forma rasa ou recheada de pressuposições pré determinadas que enviezaram minhas conclusões a respeito. Frequentei alguns cultos em toda minha infância, catolicismo, protestantismo, espiritismo até os místicos Roza Cruzes,  e ela (a religião) sempre foi pra mim não como uma obrigação, mas como um momento de “ficar bem comigo mesmo, aliviar minhas falhas no dia a dia, por mais que sejamos humanos e errantes”, egoísta já em sua gênese. Acredito que permeiam várias sensações intangíveis diferenciadas em toda parte do mundo e em todas as pessoas, não vou limitar minha observação apenas em meu empirismo. Muitos ainda conservam o preceito do início da era moderna de sacrifício das vontades mundanas, supressão dos desejos materialistas individuais, negação da riqueza e das sensações carnais que a vida pode proporcionar, uma espécie de negação do presente em prol de uma salvação no ato do julgamento final. Acredito também que muitos se sentem como se fossem a algum espetáculo de ostentação e afirmação social (muitas da vezes inconscientes) e que estão alí para ouvirem argumentos de um mundo de certezas, resumido, delimitado por muros sólidos, mesmo que vivamos em um mundo incerto. É confortante o fato dos livros de auto-ajuda e religiosos nos darem sempre uma linearidade sem eventos aleatórios.
Para se entender a religião na pós-modernidade, há a necessidade de se entender uma mudança na concepção da morte. Houve uma significativa mudança da concepção de morte com a criação das instituições modernas (hospital, exército, escolas, estado), avanço tecnológico, mercadológico e desenvolvimento das correntes humanistas em que colocavam o homem como o centro do universo, detentor de suas vontades, e dono do seu destino. Assim como tudo no mundo, a morte também sofreu uma divisão social do trabalho e foi especializada em pequenos fragmentos. Hoje não se morre mais como antigamente e isso provocou mudanças profundas na religião e suas formas de culto. A morte que antes da modernidade (Sec. XVII e XVIII) era uma estágio final a ser alcançado, rígido, sólido, um caminho linear, uma redenção do espírito que se sacrificou durante toda uma vida em prol de uma salvação, passou-se de acordo com os fatores acima citados a se fragmentar na realidade presente do homem. Na pós-modernidade a morte deixou o lado supraterreno de “um estágio no final da vida e longe da capacidades humanas”, para habitar a vida cotidiana e material – hoje se morre diariamente com o consumo de alimentos trangênicos, falta de exercício físico, consumo de alimentos nocivos a saúde  dentre outros fatores. A religião de outrora embasada na supressão de desejos materiais para um juizo final se tornara incompatível  com os anseios de mercado da era moderna em que a pedra fundamental está no bombardeio de desejos e sensações  instantâneas pela máquina publicitária.
A morte se tornou uma preocupação especializada, um tanto aparentado com a pornografia como Geoffrey Gorer observou, um evento a não ser discutido em público e, sobretudo, “na frente das crianças”. O morto e particularmente o agonizante foram retirados para além dos confins da vida diária, providos de espaços separados não acessíveis ao público e confiados ao cuidado de “profissionais”. A cerimômia publica elaborada e espetacular dos funerais foi substituída pelo breve e, em geral, privado sepultamento ou pela cremação do corpo, sob a eficiente supervisão de especialistas.
Como mencionado acima a morte se assemelhou a todos outros conjuntos, a morte foi fatiada e fragmentada em inúmeras ameaças cada vez menores à sobrevivência. A preocupação com a morte antes de modernidade da qual não se podia fazer nada, um esqueleto de veste preto brandindo a foice, que bate à porta apenas uma vez e cuja entrada não pode ser impedida, perdeu sua unidade. Acha-se a morte agora dissolvida em minúsculas, mas inumeráveis armadilhas em emboscadas da vida diária. Tende-se a ouvi-la batendo agora, de quando em quando, diariamente, com comidas gordurosas, em ovos contaminados, em tentações ricas em colesterol, em sexo sem preservativo, em fumaça de cigarro, em ácaros invisíveis como também em gases de chumbo lançados na atmosfera. Sabe-se agora que se pode obstruir a porta quando a morte bate, podendo-se sempre substituir as velhas e enferrujadas fechaduras, alarmes, por outros novos e aperfeiçoados mecanismos.
Outro fator intrigante é que enquanto a morte do próximo e querido se tornou um evento completamente privado e quase secreto, a morte humana como tal se converteu numa ocorrência diária, bastante familiar e comum para se despertar horror ou quaisquer outras emoções fortes como antes da modernidade. Como todos os outros espetáculos, a morte, “enquanto vista na TV”, é um drama representado em realidade virtual, não menos mas não mais diferente do que façanhas dos heróis da Jornada nas Estrelas, dos cowboys que atiram como Rambos ou Exterminadores. Ou seja, ao mesmo tempo que ela é privação (em família) ela é banalizada e fato comum no Brasil Urgente.
O resultado total da maneira moderna de reagir à realidade da morte minou a perspectiva da “vida para a morte” da religião pré-moderna.  A questão da inevitabilidade da morte com a eficiência das técnicas de proteção a saúde enfraqueceram essa concepção religiosa. A morte outrora disposta pela religião como uma espécie de acontecimento estraordinário se tornou uma ocorrência momentosa “o fim de uma história”, e não é verdade afirmar que as histórias só mantém interesse às pessoas enquanto se desenvolvem e mantêm as portas abertas a possibilidades de surpresa e aventura? Nada ocorre depois que a história acaba, e os especialistas religiosos não tinham muito a oferecer áqueles que estão ansiosos por viver a história e buscar sua imortalidade.
Nessa nova estrutura moderna existem três fatores que se chocaram com os preceitos religiosos e sua utilidade, como afirma Alain Touraine. Primeiramente, a religião pode servir à dependência e à subordinação da rotina a um ritmo de vida interpretado como natural ou sobrenatural, mas em ambos os casos interpretados como invariável. Tal ritmo de vida foi muito patentemente interrompido, e o nome “modernidade” representa o seu colapso. Não restou muita coisa a que a religião, com sua mensagem de mundo pré-ordenado e criado de uma só vez pudesse servir. Em segundo lugar, a filiação a uma igreja ou seita pode desempenhar um importante papel no manter sólidos e impenetráveis os muros das divisões sociais, servindo assim a uma estrutura social marcada pela baixa mobilidade e permanência dos fatores de estratificação.  Tal estrutura rígida foi gradualmente erodida nos processos cada vez mais vigorosos, flexíveis, difusos e descentrados da sociedade e novamente a religião, com sua mensagem de “cadeia do ser divino” estava mal preparada para compreender a nova situação e os novos desafios. Em terceiro, a utilidade da religião que antes era descrita como “a apreensão do destino, da existência e da morte” sofreu um isolamento desse conceito, passando agora a “como a dança e a pintura, a religião se torna uma atividade de lazer, isto é, comportamento deliberado, não-regulamentado, pessoal e secreto”, ou seja, o interesse pela existência e pela morte foi relegado a passatempos de lazer, aqueles que apresentam apenas um impacto reduzido no modo como são organizadas as atividades da vida séria e cotidiana. O ponto importante é que, com o objetivo de resistir a essa marginalização religiosa, as igrejas e seitas precisaram se assenhorar-se de outras funções que não a de abastecer com preocupações sobre o mistério da existência e da morte.
Permitam-me inferir um trecho do livro “O mal estar na pós-modernidade” do Bauman para exemplificar esse choque da religião com a nova realidade.
A vida de auto-imolação, mortificação do corpo, rejeição das alegrias terrenas era o que a salvação, segundo seus profetas e profissionais da devoção exigiam: eles insistiam na penitência e desprendimento de coisas terrenas tais como honras, riqueza, beleza e desejo carnal.  Por outro lado, o momento rígido da morte mostrava a acentuada tendência a se converter em momento da vida. Desde que a vida no pensamento moderno é tão curta, vamo-nos apressar para goza-la. Desde que o corpo morto será tão repulsivo, vamos correr para obter dele todo prazer possível, enquanto ainda temos boa saúde. A conquista da salvação espiritual por meio de regras crucialmente difíceis, impostas pelos pregadores, estavam cada vez mais distantes e nebulosas de serem alcançadas. A exacerbação do medo da morte e o encorajamento do sonho da vida eterna mostravam-se assim contraproducentes.  Preocupações com honras, riqueza, beleza e desejo carnal tinham de ganhar primazia sobre preocupações com a vida após a morte. A modernidade desfez o longo domínio que o cristianismo tinha feito, repeliu a obsessão com a vida após a morte, concentrou a atenção na vida aqui e agora, redispôs as atividades da vida em torno de histórias diferentes, com metas e valores terrenos e de um modo geral, tentou desarmar o horrror da morte com o desenvolvimento da medicina.”
Obviamente, já não são as “organizações religiosas”, com sua mensagem da perpétua insuficiência do homem, que são mais bem adaptadas à nova realidade de acumulo do máximo de experiências em vida terrena, ou mensagem de experiência máxima a quem não atinge o máximo. “Você pode fazer isso” “Todo mundo pode fazê-lo, só tem de botar a culpa em você mesmo”. Desligar o sonho da “esperiência máxima” das práticas inspiradas na religião, de abnegação e afastamento das atrações mundanas, foi necessário, e ainda mais, atrela-la ao desejo dos bens terrenos e dispô-los como a força condutora de intensa atividade como consumidor. Se a versão religiosa da experiência máxima costumava reconciliar o fiel com uma vida de miséria e privação, a versão pós-moderna reconcilia seus seguidores com uma vida organizada em torno do dever de um consumo ávido e permanente, embora nunca devidamente satisfatório.
Os exemplos e profetas da versão pós-moderna da experiência máxima são recrutados na aristocracia do consumo – aqueles que conseguiram transformar a vida numa obra de arte da acumulação e intensificação de sensações, graças a consumir mais do que os que procuram comumente a esperiência máxima. Consumir produtos mais refinados e consumi-los de um modo mais requintado. Utilizando da metáfora do autor goiano Flávio Carneiro em sua obra A Confissão, o desejo e sonho de seu personagem, pé rapado, consumidor voraz e sem requinte era aprender a apreciar um vinho, um bom queijo, saber porque aquilo era bom, sentir aquela sensação sublime e única e, no decorrer da história através de um vampirismo pós-moderno, ele transa com as mulheres e adquire as experiências máximas da vida dessas mulheres, aprendendo a degustar um bom vinho, sentir o cheiro ideal de uma carne de requinte, apreciar obras de arte, paisagens. Exemplifica bem a busca da experiência máxima desejada pela sociedade pós-moderna, acumular insaciavelmente experiências máximas. Metáfora essa do orgasmo multiplo, em que um corpo preparado , servido por um espírito igualmente excitado, é um corpo capaz duma repetida e mesmo contínua intensidade de sensações, um corpo para sempre “nas alturas”, constantemente aberto a novas oportunidades de experiência que o mundo ao redor pode proporcionar – uma espécie de bateria bem afinada, sempre pronta para emitir tons de sublime beleza.
A promessa de nova experiência, capaz de esmagar e espantar o espírito da morte que gela a espinha, é o ponto a ser realçado na venda de alimentos, bebidas, carros, cosmétics, óculos, pacotes de feriado. Cada um acena com a perspectiva de “viver a fundo” sensações nunca experimentadas antes e mais intensas do que qualquer antes provada. Cada nova sensação deve ser “maior”, mais irresistível do que a de antes, com a vertigem da experiência máxima. Função essa meta-experimental segundo Bauman. Segundo ele é essa função meta-experimental que é hoje executada por numerosos movimentos de “auto-aperfeiçoamento”, que extraem seus poderes de sedução da promessa de desenvolver seu potencial de sensualidade do corpo mediante exercícios, contemplação ou auto-concentração, rompendo bloqueios psíquicos e constragimentos produzidos pelas conveções, deixando livre os instintos reprimidos ou purgando males ocultos, desenvolvendo as habilidades de auto-abandono e submissão passiva do “fluxo” de sensações, ou abraçando os mistérios esotéricos, sobretudo exóticos, capazes de ensinar e guiar todos aqueles esforços. O axioma que escora todos esses movimentos é que experimentar, como todas outras faculdades humanas, é acima de tudo um problema técnico, e que adquirir a capacidade para tal é uma questão de dominar as técnicas apropriadas.
Nessa carência de certeza na pós-modernidade, pondo em cheque todas as intituições tão solidamente construídas por todas as eras da humanidade (família, igreja, estado),  as novas igrejas, seitas, gurus de auto ajuda, líderes de empresa, mestres na arte do aconselhamento, estão fornecendo um terreno sólido, seguro, sem aleatoriedade para a redução das ansiedades cotidianas. E não me espanta o fato dessas pessoas e organizações estarem com tanto prestígio, altas vendas em livrarias, cultos com milhares de pessoas, compras de horários televisivos. As pessoas em suas identidades praticamente dissolvidas e perenes estão famintas por segurança, certeza, eficiência, e tais sujeitos sociais com discursos ávidos de eloquência não menos nocivos, estão a nos mostrar a previsibilidade perdida com o início da modernidade, e melhor, estão nos mostrando com atos publicitários e propagandas a forma sublime de consumir essa certeza perdida, seja ela um produto tangível ou uma sensação confortante intangível, pois todo produto tangível vem implícito uma sensação intangível confortante de pertencimento a sociedade de consumo.
A igreja atualmente também se insere na selva mercadológica através dos novos Fundamentalistas religiosos, uma nova forma de religiosidade totalmente adaptada aos anseios de consumo. O Fundamentalismo é um fenômeno inteiramente contemporâneo e pós-moderno, que adota totalmente as características organizacionais “racionalizadas” e tecnologias compatíveis, tentando uma adequação do aproveitamento das atrações modernas sem pagar o preço que elas exigem, ou seja, a penitência. O preço agora em questão disseminada pelos fundamentalistas é a agonia do indivíduo condenado à auto-suficiência, autoconfiança e a vida de uma escolha nunca plenamente fidedigna e satisfatória.
A amarga experiência em questão é a experiência da liberdade: da miséria da vida composta de escolhas arriscadas, que sempre significa aproveitar algumas oportunidades e perder outras, ou da incurável incerteza criada em toda escolha, da insuportável responsabilidade pelas desconhecidas consequências de toda escolha, do constante medo de impedir as futuras e, no entando, imprevistas possibilidades,  do pavor da inadequação pessoal,  de experimentar menos e não tão intensamente como os outros talvez o consigam, do pesadelo de não estar à altura de novas e aperfeiçoadas fórmulas da vida que o futuro notoriamente caprichoso pode trazer. E a mensagem que sugere dessa experiência é : não, o indivíduo humano não é auto-suficiente e não pode ser autoconfiante. Não se pode condenar a si mesmo: é preciso ser guiado, dirigido e informado do que fazer.  Essas não são mais fraquezas da espécie humana, mas do indivíduo humano.
A esse respeito, o fundamentalismo traz a público a subterrânea ansiedade e premonição normais e quase universais sob a égide pós-moderna e não mais arcaica de submissão. Ela dá expressão pública ao que muitas pessoas pressentem o tempo todo. A estrutura da vida que o Fundamentalismo oferece leva meramente a sua conclusão do “culto de aconselhamento” acima citado, e orientação profissional,  bem como a preocupação com a autodisciplina assistida por especialistas,  duas coisas diariamente promovidas pelo consumidor pós-moderno. O Fundamentalismo religioso é a encarnação de uma tendência de que é cúmplice da cultura pós-moderna. O Fundamentalismo para concluir é um filho legítimo da pós-modernidade, nascido de suas alegrias e tormentos, do mesmo modo, de seus empreendimentos e inquietações.
O fascínio do fundamentalismo provém de sua promessa de eliminar dos convertidos a agonia de escolha. A pessoa sabe para onde olhar quando as decisões da vida devem ser tomadas, nas questões grandes e pequenas, e sabe que, olhando para ali, ela faz a coisa certa, sendo evitado, desse modo, o pavor de correr risco. É uma espécie de remédio radical contra esse veneno da sociedade de consumo conduzida pelo mercado. Num mundo em que todos os meios de vida são permitidos,  mas nenhum é seguro, elas mostram coragem suficiente para dizer, aos que estão ávidos de escutar, o que decidir de maneira que a decisão continue segura e se justifique em todos os julgamentos a que interesse. O Fundamentalismo religioso é oferecido a todos aqueles onde a liberdade individual é excessiva ou insuportável o que não difere de infinitas outras formas de Fundamentalismo.
Se a racionalidade típica do mercado se subordina à promoção da liberdade de escolha e prospera sobre a incerteza das situações, execução e escolha, a racionalidade fundamentalista coloca a segurança e a certeza em primeiro lugar e condena tudo o que solapa essa certeza. Ela legisla em termos nada incertos sobre cada aspecto da vida, destruindo a carga de responsabilidade que se acha pesadamente sobre os ombros dos indivíduos, esses ombros que a cultura pós-moderna proclama onipotentes, e o mercado proclama como tais, mas que muitas pessoas acham-se frágeis demais para essa carga.
Segundo Kepel, o fundamentalismo religioso tem “uma singular capacidade de revelar os males da sociedade”. Com a agonia de solidão e abandono induzida pelo mercado como sua única alternativa, o fundamentalismo religioso ou de outra maneira pode contar com a clientela sempre crescente. Seja qual for a qualidade das respostas, as perguntas a que responde são genuínas.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Dilermando Reis - O violonista do presidente Juscelino Kubitschek

Durante quatro décadas seu nome foi quase um sinônimo de violão e ele cumpriu o ciclo possível no Brasil a um músico de seu tempo: fez o interior, a boemia e as serestas das grandes cidades, tocou nas lojas que vendiam partituras e instrumentos musicais, foi artista de rádio, atração nos cassinos, formou sua própria orquestra, compôs, gravou, ensinou.

Amigo do ex-presidente Juscelino Kubitschek, teve a alegria de poder considerar-se um dos pioneiros da construção de Brasília: "Ajudei a construir, com minhas próprias mãos, o Catetinho. Meu violão foi primeiro ouvido nos céus da nova Capital e fiz também a primeira música em homenagem à cidade que nascia".

Aprendeu a tocar violão ainda criança, com o pai, Francisco Reis. Na adolescência conheceu o concertista cego Levino da Conceição, com quem percorreu o interior do país, até chegar ao Rio já músico formado. Antes de ingressar nas rádios, lecionou e tocou nas casas de música da época, como Bandolim de Ouro e Guitarra de Prata. Num tempo em que a admiração do público convergia muito mais para os cantores do que para os instrumentistas, Dilermando conseguiu manter um programa semanal de meia hora, no qual a atração máxima e única era seu violão, e de 1936 a 1969, quando deixou a Rádio Nacional, esteve sempre entre os artistas mais populares e requisitados. Gravou cerca de 40 discos entre clássicos e populares, reunindo sucessos como 'Alma Nortista', 'Calanguinho', 'Penumbra' e 'Se ela perguntar', a preferida de Juscelino.
16/07/1974: Dilermando Reis.França/CPDoc JB
 
As parcerias e as admirações musicais

Companheiro de seresta de Francisco Alves e João Petra de Barros, Dilermando era um instrumentalista brasileiríssimo, impecável na execução de valsas e chorinhos.

Admirava muitos dos músicos e autores mais jovens como Baden Powell Carlos Lira, Edu Lobo e Chico Buarque.

Mas não poupava críticas às músicas que considerava meramente comerciais: "Essas músicas de consumo, você a analisa, e não encontra nada, uma parecendo com a outra. Você a ouve porque está muito bem arranjada e muito bem interpretada. Mas ela não fica".

Dilermando ficará.
 
Abaixo está o link com um album clássico de sua carreira, Abismos de Rosas, apreciem a paixão de seu violão.
 
LINK DOWNLOAD
 
Fonte:

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Estado de Goiás - Do coronelismo de enchada ao coronelismo eletrônico



Nos últimos meses vimos florescer uma avalanche de denúncias contra a base da situação governista no Estado de Goiás basicamente controlada pelo PSDB/DEM. As acusações de possíveis atos de improbidade, envolvimentos ilícitos e ligações com um bicheiro da clandestinidade mostraram para todo o Brasil o Estado de Goiás de forma negativada pegando muitos de surpresa. Vários atores da sociedade civil, jovens, opositores, descontentes, se manifestando contra esses atos degeneradores do Estado democrático nas redes sociais e mídias afins. Mas uma questão me intrigou, quem são os opositores e enfáticos que estão a dar repercussão globalizada a essas notícias? Quem é o cagueta? Quem que não quer mais o Marconi como executor de Goiás? Tomemos muito cuidado.

Antes de discorrer sobre esse assunto gostaria de teorizar sobre a formação política do Estado de Goiás. Sabe-se que Goiás se tornou Unidade Federativa independente com a proclamação da república em 1889 sendo sempre de característica agrária desde o período colonial quando ainda era da captania de São Paulo. Nesse contexto sempre se observou em Goiás características coronelistas, devido á má distribuição de renda, baixo nível de alfabetização e falta consciência política cidadã dos seus habitantes.

Um traço marcante da significação que Leal dá ao coronelismo é o paternalismo. Favores como emprego público aos aliados, assim como a sonegação de direitos aos adversários, resvalando para a ilegalidade, contribuem para organizar a administração municipal sob o poder do coronel. E nesse contexto Goiás percorreu todo o século XX até a efetiva democratização do Brasil em 1988. Porém não é de uma hora para a outra que um estado deixa características culturais enraizadas

A partir do Estado Novo, a política de Goiás se configurou entre duas correntes, a dos ruralistas ligados ao antigo governador Henrique Santilo e a dos MDB que lutavam pela democratização que enfim chegou com a proclamação da Constituição.

No entanto não só a mudança de um Estado autoritário para um democrático foram capazes de abalar as características clientelistas, coronelistas e paternalistas desse Estado. Disfunções ainda permanecem em grandes e pequenas esferas do poder público, porém com pequenas alterações. O poder coercitivo antigamente feito pelo coronel para apoiar determinado candidato deu lugar para o poder ideológico dos mecanismos de informação e sua grande capacidade de gerar consenso, mostrando boas práticas desse ou daquele candidato e falhas de outros. A imprensa goiana se divide muito bem como coronelista eletrônica.

TV Anhanguera, TBC, Diário da Manhã, são claramente governistas.
Demais mídias ou são opositoras (Radio 730, Carta Capital dentre outras) ou são "neutras".

Como afirmam Lima e Lopes (2007) emissoras de rádio e televisão são, em boa parte, mantidas pela publicidade oficial e estão articuladas com as redes nacionais dominantes, originando um tipo de poder não mais coercitivo, mas criador de consensos políticos que, embora não garantam, facilitam a eleição ou a reeleição de representantes em nível federal - deputados e senadores - que, por sua vez, permitem circularmente a permanência do coronelismo como sistema. Esses autores também defendem que no coronelismo eletrônico, como no velho coronelismo, a moeda de troca continua sendo o voto, só que não mais baseado na posse da terra, e sim no controle da informação e na conseqüente capacidade de influir na formação da opinião pública.

Também Garcia (2006) afirma que a expressão coronelismo eletrônico vem sendo usada há tempos para denominar o fenômeno que se desenvolve no cenário da comunicação nacional, com os donos de emissoras de TV, especialmente os políticos ou seus representantes, ou ainda, seus cabos eleitorais, utilizando a emissora para promoçãoimagem e candidatura.

Contudo, a sociedade civil não deve assumir ares de ingenuidade e se agarrar á qualquer mecanismo manobrista. A sociedade civil deve observar essa crise política em Goiás com sobriedade, sem oba oba. Quem são os atores envolvidos nesse processo de derrubada? As acusações são procedentes? E a justiça como se manifesta? Devemos responder essas perguntas antes de tomar alguma atitude motivada por interesses políticos obscuros.

Se for pra mudar, que seja com racionalidade, para um estado melhor e não uma transferência de um coronel para outro. Tomemos cuidado com as fontes de informação que tanto damos confiança, apuremos os fatos antes de sermos massa de manobra de outro coronel que irá assumir o posto do atual.




Fontes:

Coronelismo:
Administração Pública e a Sociedade Brasileira
Forma de Poder/Autoridade ainda viva nas Relações entre aAutoria:
ENAPG 2008


Paulo Emílio Matos Martins, Leandro Souza Moura, Takeyoshi Imasato

sábado, 7 de abril de 2012

Sidney Bechet - "O sopro dos céus"



Conheci esse monstro dos sopros não faz muito tempo. Fui ao cinema ver o filme "Meia Noite em Paris" do Woody Allen despretensioso, naquela segundona onde os preços são acessíveis ás pessoas comuns. Um fato muito intrigante, só tinha velho na sessão, tentei ver pelo lado positivo da cultura erudita apurada.. talvez assim não me sentia velho. Derrepente o filme se inicia com o toque de uma clarineta suave da musica "si tu vois ma mère" mostrando imagens da cidade de paris chovendo. Já gostei do filme ao se iniciar, a composição de Paris com o sopro do Bechet foram feitos um para o outro, até mesmo em sua vida pessoal onde de fato foi reconhecido como musico, ele que é originário de New Orleans nos Estados Unidos.

Morou em diversos lugares do mundo devido seu talento. Em 1950, ele retornou à cidade de Paris, onde se casou. Aliás, na França, Bechet era conhecido como "Le Dieu". E foi exatamente em Paris que Bechet se despediu, mais especificamente no dia de seu aniversário, quando veio a falecer em decorrência de um câncer pulmonar no ano de 1959.

Selecionei as composições que pra mim são inconfundíveis no repertório dele e postei pra vocês darem uma conferida, apreciem tomando um chá ou um café, perfeito para encontros românticos, momentos de reflexão, alegria, tristeza, ou seja, todos os momentos.

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Fontes:

sexta-feira, 6 de abril de 2012

O Inimigo do Contemporâneo.

Meu inimigo não é real. Ele é uma idéia moderna. Travestida de uma saia evasê curtíssima, provocante, ao ponto de desabrochar as vergonhas. De olhinhos fechadinhos como a sorrir, quase chineses, delicados, doces, e que apesar de doces estão a sucumbir, cheirando suruba sexual.

Ele há de te prender com suas garras vermelhas indestrutíveis, mãos estas macias, pequeninas, que ativam anseios eróticos.

Apaixonante!

Personalidade histérica dotada de psicopatia.

De atuação desinteressada, quase budista, inferniza pelo silêncio no ato da resposta tão suplicada. E que apesar do silêncio, responde com milhares de enigmas hipotéticos.

Queres me sugar, me chupar, me embriagar através dos meus própios questionamentos. Mas não.. não irei me calar como a sociedade veloz, hei de te combater... penso entre duas hipóteses, escolho uma terceira.

Suplico aos Deuses..

Minha fé que de fraca não chegou ao céu.

Suplico ao poder público..

Melhor não, estou pendente com as autoridades.

O Autruismo talvez, está tão difundido em "segredos" e o bem alheio, poder espiritual é tudo.. quem sabe?

E enquanto tento vencer minha guerra, suicido. Crio novos inimigos e fortaleço seu exército que há de me destruir.... este que sou eu mesmo.



La Liberté guidant le peuple. Eugène Delacroix